Tenho uma vaga lembrança dos dias de calor, da pele transpirando, dessa coisa chamada suor. Era salgado, se não me engano... Lembro que havia dias em que respirar era custoso, era preciso estar na horizontal para gastar menos energia, e assim produzir menos calor. Lembro que nesses dias um banho não era suficiente pra aplacar a queimação que emanava do corpo. Havia dias em que a cabeça fervia, porque o cabelo formava uma capa isolante sobre a moleira. O calor não se dissipava! Acho que foi num desses dias que eu cortei o meu cabelo curtinho.
Tenho uma vaga lembrança das tempestades. Da chuva despencando furiosamente, dos raios iluminando o mundo e dos trovões despertando o medo de que o mundo fosse mesmo acabar. Lembro dos baldes na sala, das goteiras na cozinha, das rachaduras no banheiro. Era uma correria danada que acabava por unificar as pessoas na tarefa de manter a casa seca. Lembro que às vezes acontecia das árvores deitarem na fiação elétrica, levando tudo abaixo, e deixando o povo sem luz. Lembro do vento e da luz das velas brancas em pires nunca usados.
Tenho uma vaga lembrança dos barulhos. A cachorrada latindo, as crianças chorando, o vizinho cantando no karaoquê, buzinas petulantes, rádios ligados o dia todo, a faxineira cantando pra distrair, alarmes de carros disparados, sirenes de ambulâncias em dias de chuva e muito trânsito parado, os sons digitais da TV, o vizinho lavando a garagem com a vassoura hidráulica, portas batendo.
Tenho uma vaga lembrança dos gestos das pessoas. Algumas pessoas são identificáveis pelos gestos que sempre repetem. Lembro que é possível transmitir idéias com as mãos. Lembro que eu sabia ler esses gestos que acompanhavam as palavras. Eles não significavam em si, apenas sustentavam o que era dito, reforçavam e dramatizavam a coisa toda. As pessoas gesticulavam. Não porque lhe faltassem palavras, mas porque as palavras não pareciam ser suficientes.
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