terça-feira, março 27, 2007

Saco de alface, vegetarianismo e dieta do tipo sangüíneo

Esse post é sobre comida e as relações estranhas que a gente desenvolveu com ela.

Tempos atrás, Christian e eu jantamos numa churrascaria argentina em Amsterdam, porque fazia muito tempo que o ele não comia carne bovina. Se não me engano, a última vez que ele tinha comido carne vermelha foi no Brasil, porque na Escócia não tem disso não, seu moço. Eu estava contando pra ele alguma coisa e falei em pé de alface. Ele pôs a mão na testa, suspirou profundamente e disse: que pé de alface, é saco de alface! Pois é. No Reino Unido não se encontra pés de alface nos supermercados. Alface vem no saco plástico, lavada e com instruções de uso. Segundo o Christian, não tem feira am Aberdeen. Pra mim isso é inconcebível, e prefiro acreditar que ele ainda não descobriu o dia e local de feira.
No entanto, noto que em alguns supermercados holandeses, as beringelas são embaladas num plástico, cada pepino num saco apertado, cada cenoura gorda num saco asfixiante. É por essas e outras que eu prefiro ir na feira de sábado e comprar frutas e vegetais lá, que me são entregues por mãos sujas de terra e cheias de calos, mãos de gente da terra. Comida pra mim não é plástico, e não precisa vir lavada. Essas nóias de higiene exagerada e praticidade extrema são coisas dessa sociedade atual.

Se alguém estiver querendo virar vegetariano, mas precisa de um empurrãozinho, tipo uma iluminação ou outra experiência quase religiosa, posso sugerir um certo vídeo. (clica ali) Vê-se animais sendo abatidos, mutilados, engordados até serem incapazes de se mover, além de outras cenas desagradáveis e ouve-se uma voz masculina, macia e quente narrando atrocidades em inglês. O público vulnerável é convertido ao vegetarianismo na hora e convencido a não consumir mais laticínios. O público mais cético percebe que as cenas fortes que vê se aplicam à industrialização da carne e laticínios. Quando a produção desses alimentos toma as proporções vertiginosas que tem nessa nossa sociedade de obesos proliferantes, é claro que os animais são criados, engordados e abatidos somente para fazer girar a economia. A qualidade de vida dos animais não importa. Importa o prazer e a satisfação do consumidor. E ele consome hambúrgueres e copos de Kentucky Fried Chicken. A economia não gira pra saciar a fome dos famintos, mas pra garantir lucros aos que já têm uma situação financeiramente vantajosa. É por essas e outras que eu compro carne no açougueiro da esquina. Se algum falante de alemão quiser conhecer uma estória de criação ecológica de porcos, e ainda por cima se envolver com a vida simples do campo, sugiro Emma´s Glück. (clica ali) Eu ouvi o livro sendo lido em voz alta pela autora, e ainda quero ver o filme, se/quando o achar.

A sociedade atual perdeu a relação normal com a alimentação. Pulamos de um extremo anoréxico ao outro extremo do prazer através das coisas calóricas. De um lado temos as pessoas que se esforçam pra seguir o padrão de beleza ditado pelas passarelas de moda, resultando em corpos esqueléticos e nóias com comida e o próprio corpo. Do outro lado temos os obesos que se consideram pessoas mais felizes, mas que são incapazes de amarrar os próprios sapatos, precisam de assentos mais largos no ônibus e não precisam passar a catraca no ônibus. Pessoas que se encaixam nessas duas categorias morrem mais cedo que a expectativa de vida previa, porque se alimentam mal.
Na exposição BODIES (clica ali) que eu vi em Amsterdam, um dos banners tinha os dizeres: you are what you eat. Dado o contexto (exposição sobre o corpo humano), a afirmação é aceitável. Eu preferiria coisas como you are what you think, mas isso não vem ao caso agora. Magrelos morrem de insuficiência (alimentar), obesos morrem de entupimento. Eis que surgem dietas pra emagrecer, engordar, ser mais feliz. Precisamos que especialistas em alimentação nos digam o que podemos comer. E cada especialista tem a sua estória. A mais duvidosa me parece ser a do tipo sangüíneo. Quem a segue, diz que não acredita nela. Mas funciona! - completa. E aí temos a situação insustentável de duas pessoas casadas faz mais de 20 anos sentadas na mesa. Ele tem o tipo de sangue O e ela A. A alimentação dos dois é complementar: o que consta na lista de coisas proibidas para O está na lista das coisas recomendadas para A e vice-versa.

Quando nos alimentarmos à base de pílulas de astronauta, não haverá mais sacos de alface, vegetarianos convertidos ou dietas milagrosas. Vai ser tão chato comer pílulas de astronauta... Super prático, sintético, sem contra-indicações, higiênico e balanceado. Mas sem-graça.

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