sábado, março 24, 2007

O meu, o teu e o que negociamos

No fim, todo mundo acaba se entendendo, mas é interessante notar como cada um toma o seu ponto de vista como base e o estende pros outros. Três exemplos talvez ajudem a ilustrar o que eu quero dizer.

Estudando a estrutura de construções sintáticas menores que uma sentença, me deparei com descrições de pidgins. Pidgins são línguas misturadas, que existem pra fins puramente comunicativos e surgem em contextos altamente restritos, portanto são bem simples. Pidgin não é língua materna de ninguém, mas se baseia nas línguas maternas das pessoas que precisam, por exemplo, negociar/ comercializar produtos. Não há regras pra pidgins, depende sempre de quem o fala. Quando os japoneses, por exemplo, falam pidgin com um inglês (ou americano), os japoneses colocam o verbo no final da sentença, porque em japonês é assim que as coisas funcionam:
Da pua piipl awl potato iit.
The poor people all potato eat.
Agora quando os filipinos falam pidgin com um inglês (ou americano), eles colocam o verbo no começo, porque a língua materna deles usa a estrutura VSO (verbo, sujeito, objeto):
Wok haad dis piipl.
Work hard, these people.
Tanto os filipinos como os japoneses usam a estrutura de suas línguas maternas pra comunicar numa língua que é um acordo comunicativo com os ingleses (ou americanos).

Hayat, a iraniana, me perguntou qual era a minha língua materna. Respondi que português e alemão. Quando eu disse "português", ela acenou com a cabeça, mas quando eu disse "alemão", ela levantou a sobrancelha esquerda e coçou a nuca. Expliquei que o meu pai é alemão, e que por isso eu também falo alemão. Ela virou a cabeça de lado, ainda com os olhos fixos em mim. Perguntou se eu tinha morado a maior parte da minha vida no Brasil. Respondi que sim, e ela fez beiço e acenou com a cabeça, devagarzinho.
Sua mãe é uma mulher forte, então.
Se o seu pai é alemão, seria de se esperar que toda a família morasse na Alemanha, o país do chefe de família. Como este não é o caso, a sua mãe teve muita coragem e força pra insistir que toda a família residisse no país natal dela.
Hayat usou o seu modelo de família pra interpretar a história da minha família, porque partiu do pressuposto que seguem o mesmo esquema.

Hoje fomos em 6 ao MuZIEum . (Pode clicar no museu) Éramos um grupo misturado: quatro holandeses (Nan, Isabelle, Jeroen e Jonas), um romeno (Boti) e uma brasileira. A idéia do museu é colocar o visitante na situação de um cego e fazê-lo explorar o mundo com os seus outros sentindos e com a bengala de cego. Quem nos guiou, num tour pela completa escuridão, foi Ineke, uma cega há 10 anos. Ela nos levou até um escritório para cegos, uma varanda que dá para uma rua movimentada, um parque, nos ajudou a atravessar uma ponte e cruzar a rua, e por fim sentamos todos num bar e tivemos que pagar pelos refrigerantes que bebemos.
A gente se orientava pela voz dela, mas não sabemos como ela tinha controle sobre o grupo: como ela sabia que estávamos todos juntos e tínhamos explorado tudo naquele cenário e podíamos seguir para o cenário seguinte?
Mostrar as coisas pros outros era complicado, mas logo aprendemos que era preciso pegar a mão da outra pessoa e conduzi-la até o local em que estava aquilo que se queria mostrar, pra que o tato da pessoa lhe desse informações que a escuridão escondia. Aconteceu, porém, de alguém perguntar onde era a janela, e Jonas levantar o braço, com o indicador esticado, pra mostrar a direção. Tinha gente no caminho do dedo e todos caímos na risada.
Boti aprendeu os nomes de todo mundo rapidinho, porque a gente vivia checando quem era a pessoa que estávamos tocando. A gente se reconhecia pela voz e pela língua: quando a resposta vinha em inglês, eram Boti ou eu sendo segurados por alguém.
Além do tour guiado por um cego, tem a parte de museu, em que há exposição de coisas que causam ilusões óticas, um pouco de história, jogos para cegos, tipo jogo da velha em tabuleiro, dominó e tal. Nessa parte, a coisa doida são as línguas: tudo o que estiver escrito, está escrito em holandês e em alemão. Quando entramos na máquina do tempo, uma voz de mago cigano falava em um pidgin de alemão e holandês. Metade era em uma língua, a outra metade em outra. Bem bolado, entendi mais que a metade!!!
Ainda em relação às línguas, a nossa guia, Ineke, é holandesa, e apesar de Boti e eu termos concordado em acompanhar o tour em holandês, (confiamos que íamos entender as coisas with a little from my friends) ela falou inglês a maior parte do tempo. Mais um exemplo em que um tenta se colocar no lugar do outro, mas sempre apareciam expressões em holandês na fala da Ineke, e nós mantivemos os olhos arregalados durante todo o tour na mais completa escuridão.

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