quarta-feira, março 14, 2007

Notícias na TV

Diós mio, que asco de programa!

Disculpame, es la costumbre.
Eu estou estudando fala elíptica no momento. Porque o meu afásico fala assim, procuro por outros registros em que esse estilo é usado também, pra poder comparar estruturas da fala do afásico com estruturas encontradas em conversas de não-afásicos, telegramas e manchetes de telejornais e jornais impressos. Surpreendetemente, a fala do meu afásico segue a mesma receita de organização de uma manchete de telejornal: primeiro vem um tópico, que anuncia o assunto, e depois vem um comentário sobre esse tópico. Se o esqueleto é o mesmo, então o segundo passo é verificar se os tópicos do afásico fazem a mesma coisa que os tópicos das manchetes de telejornal.
Manchetes de telejornal, veja bem, são aquelas frases curtas, encavaladas (sem nexo entre si), sobre cada um dos assuntos de destaque que serão abordados durante aquela hora de telejornal. São manchetes que devem atiçar a curiosidade do telespectador e convidá-lo a continuar ligado naquele canal.

Bom, pra começar, procurei por artigos que descrevessem a organização de tópicos em telejornais. Achei um que comparava telejornais alemães com americanos. Não serve pra minha pesquisa, porque analisava toda a notícia e a mudança de assunto (também chamado de tópico) durante o programa de notícias. Mas me serve pra refletir sobre notícias, fatos e interpretações.

A conclusão da pesquisa relatada naquele artigo era a de que os telejornais americanos guiam o espectador muito mais que os jornais alemães. Quando, por exemplo, o jornalista americano no estúdio anuncia que uma certa matéria foi feita por sei lá, John Smith em Roma, então o jornalista no estúdio anuncia a notícia, o nome do repórter e a cena muda. Quando o John Smith aparece na tela, aparece o nome dele embaixo, ele mesmo dá a notícia e conclui dizendo o seu nome e o lugar onde está: John Smith diretamente de Roma. Os alemães não gastam tantas palavras faladas pra mudar de cenário. E o nome do repórter só aparece escrito na tela, mais nada.

Desprendi os olhos do papel e pensei cá com os meus botões: bah. O telejornalismo brasileiro é bem parecido com o modelo americano. Tanto, que os brasileiros vêem Fátima Bernardes e William Bonner como superstars. Os outros repórteres não ficam muito atrás, afinal conhecemos a Waldvogel, por exemplo, pelo nome. Meus botões responderam: lembra daquela vez que o Esteves esteve no Brasil, depois de 7 anos de Alemanha, e que ele estava escandalizado com a TV brasileira, porque todas as repórteres eram quase modelos, e que a aparência do repórter parecia ser mais importante que a notícia, mesmo que ela fosse trágica? Pois é. Nos telejornais alemães, muitas jornalistas parecem donas-de-casa e os jornalistas não são estrelinhas. Na verdade, eles não importam muito, porque a maior parte do tempo não se vê a cara deles, já que eles lêem a notícia de uma folha de papel que seguram na mão, ou que está na mesa. O cara que dá a notícia no estúdio está de cabeça baixa!

Quando os americanos anunciam notícias em manchetes, eles costumam usar a posição de tópico pra julgar sobre se a notícia a seguir é classificável como boa ou . Assim, o telespectador americano já é preparado pra ouvir notícias sobre terrorismo, escândalos ou crimes brutais. Os alemães, ao contrário, usam tópicos pra resumir a notícia, e o telespectador é preparado para ouvir sobre bombas, desvio de verbas ou assassinatos. A conclusão da autora é que os americanos vêem, no telejornal, uma interpretação dos fatos, enquanto os telespectadores alemães vêem os fatos e precisam tirar suas próprias conclusões sobre eles.

Fechei os olhos e me esforcei pra lembrar de algumas das manchetes de telejornal que eu tinha coletado. Lembrei de bons exemplos pro protótipo de manchete americana e também pra manchete alemã prototípica. Mas só o fato de haver manchetes que julgam sobre a qualidade da notícia e impõem uma certa maneira de interpretar os fatos, já é preocupante. Até que ponto somos manipulados pela mídia? Provavelmente muito mais do que admitimos.

As possíveis razões para esses tipos diferentes encontrados em notícias de telejornais americanos e alemães são duas. A primeira é que os telejornais americanos são veiculados por emissoras privadas que estão em concorrência umas com as outras, em busca de lucros e índices de audiência maiores que as outras emissoras. Pra ter ibope, é preciso prender a atenção do telespectador, veiculando notícias que entretenham o público e que sejam fáceis de seguir/ acompanhar, porque vêem mastigadinhas. Assim, a TV americana faz notícias.

Olhei para o alto e lembrei que a própria escolha do que é notícia já é uma escolha arbitrária. Minha memória foi até o dia em que o Pablares reclamou de uma notícia sobre baleias atravessando um canal num lugar remoto do Planeta: "Isso lá é notícia!?! Tanta coisa acontecendo aqui, PCC e tal, e eles mostram as baleias nadando em águas glaciais!!!" Voltando um pouco mais no meu arquivo de memórias, me ocorreu o escândalo do William Bonner, comentando com uns professores universitários que estavam lá, no estúdio, que o telespectador brasileiro é um Homer Simpson, e que as notícias devem ser simples e ter o poder de entreter. Afinal de contas, o telespectador brasileiro é estúpido como Homer Simpson.

Os telejornais alemães (analisados pela autora, o que não quer dizer que todos sejam assim) são veiculados pela TV aberta. Não existe concorrência que faça com que os repórteres e jornalistas quebrem a cabeça sobre como atrair público. O emprego deles não depende diretamente do ibope. Assim, a TV alemã transmite notícias.

Olhei pro lado e pensei que esse talvez também seja um motivo pra aparência dos repórteres e jornalistas não ser tão relevante. Se nenhum telejornal almeja ibopes mais altos, nenhum telejornal vai se empenhar em colocar repórteres atraentes na frente da câmera.

A segunda razão para as diferenças entre os tópicos de telejornais americanos e alemães é cultural. A cultura anglo-saxã dá ao falante a responsabilidade de se fazer entender. É preciso ser um bom orador pra ser admirado. Já a cultura alemã dá ao ouvinte a responsabilidade de entender o que é dito. É preciso ser um bom interpretador pra ser admirado.

Torci o nariz, mas logo lembrei da fama que os filósofos alemães (penso em Hegel, Kant, Adorno e Habermas) conquistaram: difíceis pra carai. Como contra-exemplo, lembrei do Chomsky, que na minha opinião é um pancada de lingüista, mas escreve super bem e provavelmente tem tantos seguidores por causa da sua retórica.

Eu sou uma das pessoas mais alienadas que você conhece. A desvantagem é que nunca sei o que está acontecendo no mundo ou na política ou no mundo político. A vantagem é que eu também não sei o que está acontecendo nas novelas, e que eu não vivo reclamando da qualidade da TV brasileira. E que eu não me sinto oprimida pelas tragédias alheias que sou incapaz de aliviar, pelo padrão de beleza que sou incapaz de seguir e pelo consumismo exacerbado que não transparece nas minhas roupas rotas. Isso tudo faz de mim uma outra pessoa: meu sonho não é mais ter um carro, uma casa na praia e um marido rico, mas viajar por aí, estudar e aprender. E um companheiro cabeludo, claro.

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