sábado, janeiro 27, 2007

Seguir regras

Eu sempre achei - até sexta passada - que os holandeses eram muito diferentes dos alemães no quesito seguir regras. Os alemães precisam da autoridade da regra pra se orientar.
O trânsito é um bom exemplo.
Olha pra um cruzamento na Alemanha. Haverá no mínimo quatro placas de trânsito, indicando quem tem preferência sobre quem em qual situação e pra onde se pode ir e pra qual direção é contramão. Existe uma regra que é direita antes de esquerda. Quem vem da direita tem a preferência. Se uma ruazinha de terra, em que só passa trator (de motorizado), cruzar com uma via expressa, então haverá uma placa lá no cruzamento, avisando que os carros na via expressa têm preferência sobre os eventuais tratores, apesar da regra da direita antes da esquerda.
No farol. Há momentos em que todas as luzes estão vermelhas pra todos. Durante 30 segundos intermináveis os pedestres parados ficam olhando pros carros parados, esperando a luz vermelha naquela caixinha apagar e a luz verde acender. Ninguém atravessa a rua no farol vermelho. Mesmo que não venha carro de lado nenhum, que esteja chovendo e ventando e o sujeito esteja sem guarda-chuva. Meu irmão já tomou multa por atravessar o farol vermelho. A pé.
A mão. Andar na contramão não está previsto na regra. E isso vale para ciclistas e motoristas. Meu irmão me contou que presenciou um acidente entre duas bicicletas. Um vinha vindo na mão, o outro na contramão, os dois trombaram e um caiu no chão. O que continuou pedalando, saiu vociferando: espero que você tenha se machucado!!! Chocado, Philip foi até o cara caído no chão, pra ver se ele precisava de ajuda, se tava sangrando, se conseguia levantar e andar. O cara deitado no chão gesticulou com o punho cerrado e gritou na direção do outro ciclista que na Alemanha não se anda em mão inglesa!!!! Se ele tivesse morrido, estaria escrito no túmulo dele: ele sempre seguiu as regras.

Bom, aqui na Holanda o trânsito é muito tranqüilo, os motoristas param e esperam, andam devagar e olham pra quem está na rua.

Outro locus pra se observar essa coisa de regra é o lance dos títulos. Na Alemanha, os professores ou pesquisadores que possuem o título de doutor insistem em ser chamados de Herr Professor Doktor Schmidt. Aqui na Holanda todo mundo é tratado pelo primeiro nome. Eu é que não consigo dizer Herman, e chamo o meu orientador de Professor Kolk.

O anúncio de que as coisas não são como eu as vejo: Dou aulas de alemão pra Stephanie, a francesa, faz um bom tempo, e ela comentou mais de uma vez que a pressão social que ela sente por não seguir as regras é fortíssima aqui. Achei que ela só tava sendo muito francesa, e que ela não tinha visto nada, que na Alemanha isso é muito mais acentuado. Numa reunião de trabalho, Stephanie queria propor um método de trabalho diferente, eles mandaram ela calar a boca. Ela precisava ouvir o que eles tinham pra falar. Mas ninguém queria escutar o que ela tinha pra dizer.

Aqui também há regras a serem seguidas: Sexta-feira eu tive reunião com o orientador. Eu tinha camelado por duas ou mais semanas numa quantidade imensa de dados. Ele queria que eu fizesse A. Fazer A significava seguir a mesma regra que ele seguiu num artigo dele. Eu fiz A. Mas eu achei que os resultados de A não me diziam nada, e fui adiante, explorando o universo B. Cheguei a qualificar B e alcançar resultados que chamo de C. Nessa reunião com o orientador, eu apresentei C. Não era o que ele esperava, não era o que ele queria ver. You have to do it my way!!!! Eu queria que ele ouvisse as próprias palavras. Assustada com essa reação explosiva, tentei explicar, mas ele já tinha bloqueado tudo. Nonsense!!! Insisti em me fazer clara, apesar do rosto vermelho e voz falhando. Aí ele se acalmou, explicou que eu não estava sendo sistemática. Primeiro era preciso comparar os dados em português com os dados em holandês. Seguindo o mesmo método. Depois era preciso mostrar que essa comparação não leva a nada. E depois era preciso desenvolver um novo método. Step by step. O meu propósito agora era comparar dados. Num outro momento eu posso propor uma análise diferente, para um propósito diferente.

Não consegui simplesmente sentar e arranjar os dados de volta para a condição A. Pus o tênis e jaco de expedição ao Pólo Sul e caminhei furiosamente pelas ruas e na floresta. Vi neve e chuva caindo. Quando saí da floresta e cheguei no asfalto, vi a placa da divisa com a Alemanha. Caraca! Caminhei tudo isso!!! Agora era preciso voltar. A volta me pareceu muito mais rápida. Imagino que isso esteja associado à minha incapacidade de pensar enquanto percorro longas distâncias, seja a pé ou de bike. Sempre começo com a cabeça cheia, e aos poucos vou me esvaziando. Depois de 3 horas, cheguei em casa tranqüilinha, sabendo o que fazer. You have to do it my way. Depois eu proponho o meu jeito.

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