quinta-feira, janeiro 18, 2007

Pequena Lou e o carro da Stephanie

Stephanie viaja para o México hoje. Como ela tem 40 kg na bagagem, pediu que eu a levasse, no carro dela, pra Centraal Station. Muito bem. Acordei às 7:00, tomamos café da manhã e saímos de casa às 15 pras 8. Nem escovei os dentes antes de sair casa, pra não atrasar a guria, e fui, com gosto de café com cardamomo na boca.

Chovia e ventava muito e o mundo ainda estava escuro. Eu insisti que ela estacionasse o carro, mesmo que numa vaga reservada de alguma empresa, e que eu lhe ajudasse com as malas até a estação. Carreguei uma mala, ela o mochilão. Depositei a mala no seco e nos despedimos. Voltei ao estacionamento e apertei o botão da chave. As luzes do carro à minha frente responderam e eu entrei. Enfiei a chave no contato e ... nada. Não gira.

Lembrei da vez em que fui levar o Gol prateado do meu pai, (daqueles quadrados, modelo antigo) no lava-rápido. Saí, voltei, paguei, peguei a chave e tentei girar a chave na ignição e nada acontecia. Eu tinha entrado no carro errado.

Será que eu estou no carro errado? Saí do carro, apertei o botão da chave umas vezes, pra ter certeza de que nenhum outro carro estacionado respondia, confirmei que na placa tinha um F de France e voltei a entrar no carro. Reparei numa luzinha vermelha piscando no meio do painel.

Lembrei da vez em que a minha vó tinha alugado um carro pra nóis em Gramado, e que, no dia em que a gente ia partir pra Grande Volta em volta da Lagoa dos Patos, o carro não ligava. Era tipo sábado antes das 8 da manhã e não tinha jeito do carro pegar. As luzes todas piscavam, mas nada se movia. Chamei o cara da locadora mesmo assim. O problema era o alarme. O carro era vigiado por satélite, mas tinha sido comprado em Curitiba, (como a maioria dos carros de aluguel, porque tem aí umas vantagens de imposto), e agora tava longe da sua área que o satélite rastreava, e pá, travou tudo.

Bom, se o problema do carro da Stephanie for dessa ordem, então eu não sou capaz de resolver isso sozinha. O que eu podia tentar fazer, era avisar ao dono da vaga que eu não conseguia ligar o carro. Só a faxineira no prédio atrás do carro. Eu podia ir na polícia e explicar a situação, antes de eles quererem multar o carro por estacionar em lugar proibido. Saí do carro, tomei chuva na cabeça. Passei pela estação de trem e olhei pro relógio da torre. Stephanie ainda não havia partido, mas eu não queria correr atrás dela, porque vai que ela resolve vir até o carro comigo e nessa perde o trem!

Com gosto de cardamomo na boca e os sapatos encharcados, caminhei em direção à polícia. Parei. Estou sem os documentos do carro, a minha carteira de motorista é brasileira e estou neste país faz mais de 3 meses. Por cima de tudo, o carro que não quer pegar está estacionado em local proibido. Vou ter que explicar tudo isso em inglês na polícia, às 8 e 10 da manhã, num dia de muita chuva e vento? Dei meia-volta. Entrei no prédio atrás do carro e chamei. A faxineira apareceu, falando holandês. Exliquei que eu não tava conseguindo ligar o carro parado numa vaga da empresa. Ela respondeu em holandês que não podia me ajudar, e que o policial que controla o estacionamento passa às 9:00.

Muito bem, se alguém reclamar, tem outro alguém sabendo por que aquele carro ainda está estacionado em local proibido. Mas eu não posso simplesmente voltar pra casa. Vou na polícia. Cheguei na porta, parei, olhei pra dentro. Tudo limpinho, vasos de flores, poltronas pra esperar, uma recepcionista ruiva no balcão. Não. Isso não tá certo. Preciso ter pelo menos os documentos do carro. Caminhei até o carro, enfiei a chave na ignição, nada. Pronto, eu tinha certeza confirmada e comprovada de que não podia resolver isso sozinha.

Com as pernas geladas, sapatos soltando bolhas de água a cada passo, cabelos nos olhos e gosto de cardamomo na boca, caminhei pra casa. Boti tava sentado na cozinha, tomando café. Pedi pra ele me ajudar a pensar.

Lembrei que os meninos da casa riram dele, porque ele ficou em penúltimo lugar na corrida de cart, mês passado. Kaleem pegou o último lugar. Tanto Kaleem como Boti dirigiram um veículo de quatro rodas e volante pela primeira vez na vida quando entraram no cart. Claro que o Boti não podia me ajudar a resolver o problema do carro, porque ele sabe muito pouco sobre carros.

Mas Boti me ajudou: ele tinha o número do celular do Alexis. Subi as dezenas de escadas e liguei, mas Alexis ainda não tinha chegado ao trabalho e não atendeu o telefone. Deixei recado. Peguei os documentos do carro da Stephanie e avisei Boti que eu tava a caminho da polícia. Ele insistiu que eu ligasse de novo. Subi de novo as centenas de escadas até o meu quarto e liguei de novo pro Alexis. Ele já tinha pego o meu recado e ligado pra Stephanie, que tava no trem pra Schiphol. Disse que era provável que o problema fosse o volante bloqueado. Tudo bem, eu sei que isso acontece. Só não pensei nisso antes.

Eram 9 e 10. Será que o cara que controla os carros indevidamente estacionados já botou reparo (ou um papelzinho desagradável aos olhos) no carro da Stephanie? Peguei a Pequena Giant e voei até estação de trem. Agora todas as partes da calça que ainda estavam secas ficaram enlameadas. Reparei que a faxineira tava conversando com um moço na soleira da porta, olhando pra chuva que não parava. Prendi a bike, entrei no carro, enfiei a chave no contato e virei o volante. Clék. Girei a chave e tudo funcionou. Lembrei de botar o cinto e dirigir calmamente pra casa. Subi as milhares de escadas e liguei pra Stephanie e pro Alexis, avisando que eu tinha conseguido trazer o carro pra casa. Deixei um rastro de pegadas molhadas pela casa e saí de novo pra chuva. Caminhei até a minha bike e voltei pedalando. Finalmente escovei os dentes e tomei um bom banho.

Provavelmente vou lembrar dessa aventura toda vez que sentir o gosto de cardamomo...

Um comentário:

Fábio Gonçalves disse...

Oi, Lou...

Fiquei tenso com esta sua história... Ótima leitura para um domingo à noite!

Você escreve muito bem... e muito muito! Preciso visitar com mais frequencia o seu blog.

Espero que esteja tudo bem aí...

Beijo!