domingo, janeiro 14, 2007

Cultura da porta aberta

Deve ser cultural.

Quando eu fiz uma matéria chamada Lingüística de Campo, a professora contou como foi o estágio dela no México. Ela queria descrever uma língua indígena e foi se meter numa tribo. Choque cultural. Primeiro a temperatura. Ela saiu do inverno europeu e foi cair no verão equatorial. Depois tinha o lance da porta. Quando ela tava na casinha dela, estudando os dados, ou lendo um livro, ou fazendo sabe lá o quê, ela fechava a porta. As pessoas ficavam preocupadas. Será que ela tá doente? Por que ela fechou a porta?

Kaleem. Kaleem é o cara que descobre as coisas aos poucos e se empolga com as novas descobertas. Ele se sente muito solitário aqui, então a primeira descoberta pra acalmar essa solidão foi o telefone. Conversava em línguas desconhecidas pra mim com todos os familiares, amigos e conhecidos. Na cozinha, comentava que tinha telefonado com o país dele, não dizia que tinha telefonado com a mãe, por exemplo. Mas eu não precisava que ele me dissesse que telefonou com o país dele. Moramos no mesmo andar, o quarto dele é de frente pro meu. Não é só que ele fala alto, é também que ele deixa a porta meio aberta. Não que dê pra olhar dentro do quarto, mas certamente dá pra ouvir tudo. Quando ele sai de casa, tranca a porta. Mas quando está no quarto, sempre deixa um filete aberto. Exceto quando dorme. Sei disso, porque eu sempre sou a última a ir no banheiro e desligar todas as luzes que a Pegah deixou acesas.

Depois do telefone, Kaleem descobriu a TV. Foi nessa época que eu nunca mais liguei a minha TV. Kaleem vê de tudo, mas tudo em inglês. Não que eu esteja me atualizando através das notícias veiculadas pela TV dele, mas o ruído incomoda.

Duas semanas atrás, Kaleem descobriu a música. Ele nunca tinha ouvido música antes. Eu sei. Somos vizinhos. Agora ele ouve musica árabe e coisas mais pop do que boy-group: girl-group. Às vezes a TV faz o pano de fundo pra música. É um homem multi-mídia!

Uma semana atrás ele descobriu o Skype. O computador dele é um desktop, com caixinhas de som potentes pra carai. Eu ouço tudo, com aquela qualidade de som meio metálica. Sei quando ele está conversando com a sobrinha, com a mãe, com os amigos. Não sei disso pelas reações e risadas dele, mas porque eu ouço a pessoa que está lá no Paquistão, conversando com ele. As ligações pelo Skype, ele combina com música. É um homem estéreo! E eu tenho a versão Dolby Surround dele...
por causa da porta aberta.

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