terça-feira, maio 08, 2007

NÃO!

Essa propaganda foi o gatilho pra eu dizer umas coisas que eu acho que são interpretadas erroneamente. Em primeiro lugar tem a coisa da evolução e mudança que precisam ser esclarecidas. Em segundo lugar, tem a coisa da propaganda que é tão vaga que dispara conexões impossíveis. Em terceiro lugar, vem o conforto e consumismo em detrimento do meio-ambiente.

Evolução e mudança .

A gente olha pra natureza e vê que ela evolui. As coisas vivas nascem, crescem, ficam fortes, ficam fracas e morrem. Essa imagem da evolução foi transportada pra vários âmbitos da nossa vida, e algumas vezes a analogia é bem equivocada.
Por exemplo quando se pensava que as línguas são seres orgânicos que surgem, passam por uma fase primitiva, evoluem e viram línguas de civilização, pra depois morrer. Balela! Não existe evolução numa língua, porque pra que haja evolução, é preciso que haja um alvo a ser atingido, um fim a ser alcançado. Sistemas que evoluem são sistemas teleológicos, que trazem em si o seu final. Quando este final é atingido, saberemos se houve evolução, progresso e desenvolvimento. O caminho até o destino final passa por estágios, fases, etapas. Uma língua não tem um ponto final, não tem fases, não evolui, não entra em processo de decadência ou erosão. Por mais que as pessoas reclamem que sua língua materna vai acabar, está em decadência ou é erudita, porque a erosão levou quase tudo, a língua não evolui. Sinto muito. Sistemas aleatórios, que recebem influências externas que não são controláveis nem previsíveis, não evoluem, mas mudam.

Outro lugar pra onde a analogia da evolução é transportada freqüentemente é o ser humano. Biologicamente, a gente evolui, porque o nosso fim é a morte. Ela é previsível como ponto final da vida de cada um de nós, e vai visitar cada um, invariavelmente. Mas o que acontece é que as pessoas separaram o corpo da mente, alma, espírito, e esperam poder observar algo como uma evolução também na mente/ alma/ espírito. Assim a gente mede a inteligência e a maturidade de uma pessoa, e dá diagnósticos em forma de escalas de evolução em direção à maturidade máxima, inteligência suprema. O problema é que não sabemos reconhecer ou definir o fim dessa escala. Qual é o fim a ser atingido? Quando a pessoa estará no último degrau da evolução pessoal/ psicológica? Seres humanos não evoluem, mas mudam. Sofremos tantas influências externas incontroláveis, que é impossível falar de previsão.

Um último exemplo que vira e mexe aparece como analogia de evolução, é em relação às drogas. Maconha é a porta de entrada pras drogas mais pesadas. Vixe, fuma maconha hoje, daqui a pouco tá cheirando coca, injetando heroína. A escala das drogas é disposta da seguinte maneira: conforme o tempo transcorre, as drogas vão ficando mais pesadas, a dependência mais arrasadora. Todo mundo pensa assim, isso é senso comum. Evolução! O fim da escala das drogas é alguma coisa altamente destrutiva. Por isso os pais se alarmam quando descobrem que os filhos adolescentes estão experimentando maconha. Prevêm o fim da evolução dos entorpecentes.

Voltemo-nos para a propaganda da foto. Um degrau a mais na evolução da tua bicicleta é uma bicicleta melhor, não um veículo motorizado, que não é mais uma bicicleta. O produto final de alguma coisa em evolução ainda precisa ser identificável como sendo aquela primeira coisa. Uma árvore que cresce e morre ainda é identificável como sendo a mesma árvore do começo e fim da evolução, mesmo que todas as células tenham mudado no processo. O produto da evolução de uma bicicleta não pode ser uma moto, porque se trata de entidades distintas.
Eu queria muito que as pessoas parassem de pensar que veículos motorizados -que poluem o ar e são barulhentos, convidam ao sedentarismo e abuso do limite de velocidade estabelecido e são a maior causa de mortes violentas no Brasil - são o final da escala da evolução dos meios de transporte. Para o senso comum, bicicleta é coisa de criança, estudante ou pobre que não tem dinheiro pra comprar uma moto ou um carro. Quando for gente grande e tiver dinheiro, vai comprar um veículo motorizado.

Vagueza na propaganda convidando a inferências impossíveis.


Eis a propaganda toda. A relação entre o upgrade de uma bicicleta e uma mobilete já foi provada como instável. Agora vem a relação entre o upgrade e o ato de ganhar uma Vespa. Pra performar uma melhora em qualquer coisa, é preciso interferir ativamente no estado da tal coisa. Um exemplo de um upgrade de alguma coisa é a adição/substituição de qualquer coisa. Um upgrade numa bicicleta pode ser a instalação de um bagageiro, uma cesta no guidão, ou a troca dos freios cantilever por v-brake. Ganhar uma Vespa não é exatamente uma ação que alguém pode performar. É uma coisa que te acontece, não uma coisa que você escolhe. Então, como fazer com que o ato de ganhar vire uma escolha consciente do consumidor? Simples! Convida-se o consumidor a participar de sorteios, jogos e competições. Pra aumentar as chances de ganhar - porque o imperativo é pra que se ganhe a Vespa - o consumidor é encorajado a participar mais de uma vez, comprar mais de um bilhete, consumir mais. Como a gente consegue tirar conclusões tão ilógicas?

Consumismo exacerbado.

Já mencionei que máquinas que queimam combustível poluem o meio-ambiente. Máquinas que queimam combustível precisam de upgrades que não têm como final o mesmo objeto, ou seja, são substituíveis, sofrem desatualização. Os produtos desatualizados são lixo. A gente não sabe lidar com o nosso lixo. Produzimos coisas, ajuntamos coisas, mas não sabemos nos livrar das coisas sem agredir o meio-ambiente. Eu queria que todo mundo sentisse muita dor de barriga quando permitir que suas compras sejam colocadas num saco plástico. Eu queria que todo mundo que joga lixo pela janela do carro ou do ônibus tivesse dor de dente. Eu queria que todos os fumantes do mundo considerassem suas bitucas como sendo lixo e tivessem dor no pulmão toda vez que jogam uma bituca no chão. Eu queria que todo mundo que joga óleo no ralo da pia tivesse dor de cabeça. Eu queria que a gente tivesse consciência - daquelas que doem - do mal que a gente está causando pra gente mesmo e pro mundo.

Nenhum comentário: