Qualquer falante nativo de inglês vai achar que esse recado, escrito por um holandês, é bizarro. Eu acho bisonho, mas entendo de onde vem isso. Tanto em holandês como em alemão, é possível construir sentenças elípticas com verbos não-finitos (infinitivos, gerúndios ou particípios), mas o verbo não-finito precisa ocupar a posição final da sentença. Assim podemos ter Kaffee trinken em alemão ou Koffie drinken em holandês. Mas Coffee drinking é estranho, porque não se coloca o verbo no final em inglês, e se preferiria Drinking coffee.
Essas sentenças elípticas são chamadas de nonsententials, justamente por não serem uma sentença completa com sujeito, verbo, objetos e eventuais adjuntos. Muito bem. O meu objeto de estudo têm sido nonsententials nos últimos meses. O afásico fala principalmente em nonsententials, todos os 70 telegramas que eu resolvi analisar são construídos a partir de nonsententials, coletei 70 nonsententials num banco de dados (NURC) de conversa espontânea com pessoas que falam a norma culta padrão em 5 capitais brasileiras, juntei 70 manchetes de telejornal e mais 70 de jornais impressos em que há nonsententials.
Acontece de a pessoa usar verbos não-finitos pra formar nonsententials, mas isso só acontece massivamente nos telegramas, em que o infinitivo pode ser substituído pelo imperativo (vender Fusca, pegar papai). Nos outros registros não há sinais de abuso de verbos não-finitos pra formar nonsententials. E o afásico só usa um verbo não-finito de maneira elíptica. Um.
O orientador viu as minhas tabelas de estruturas tópico-comentário, que pra ele são novidade, e insistiu que eu procurasse pelas formas não-finitas. You have to do it my way.
Uma semana depois, ele recebeu 19 páginas minhas sobre toda a minha pesquisa desenvolvida aqui. Os dados tinham sido trabalhados segundo os métodos holandeses, mas ele não ficou sabendo disso, porque não leu tudo. Numa vista d´olhos não achou as listas de regras para a formação de nonsententials em português e as reclamou.
Uma semana depois, ele recebeu o mesmo texto, dessa vez de 26 páginas. O sistema de verbos não-finitos em português está descrito e exemplificado (com exemplos traduzidos para o inglês) como não achei em nenhuma gramática. Tenho orgulho dessa seção 4 do meu texto. Verdade.
Chamamos os infinitivos, gerúdios e particípios de formas nominais porque estas formas não são flexionadas como os verbos e sempre terminam em -ar, -er, -ir, -ndo e -ado ou -ido. Que nada! Todos os três tipos de verbos não-finitos podem ser flexionados de acordo com gênero, número e grau:
Não é necessário vocês chegarem mais cedo.
Saiu de casa correndinho.
Estou cansadíssima / Fui atropelada por um carro.
Viu como o buraco é mais embaixo? Fiquei altamente intrigada com o fato de podermos usar o verbo ser pra formar a passiva, mas quando usamos o verbo estar, apenas estamos tratando o particípio como um adjetivo. Cansadíssima tem mais cara de adjetivo que de verbo no particípio. E formar a passiva com o verbo estar é impossível: estou atropelada por um carro. Mas ainda não tive tempo de ler a dissertação do Renato, em que provavelmente acharei uma resposta pra isso.
12 horas depois de mandar o texto pro orientador, recebo resposta dele. Há tantos dados, exemplos e correções, que o texto está impossível de ler. Pede um resumo de 3 páginas.
Tenho muita vontade de mandar 3 linhas em que peço pra ele ler o texto todo. Pôxa, o homem é pago pra orientar a pessoa! Não pra digerir papinha!
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