Lingüística é uma ciência. A língua, seu principal objeto de estudo, não se dobra às medições científicas que qualquer teoria possa querer lhe aplicar. Nenhuma das 3 grandes correntes teóricas tem uma boa definição de "língua". Qualquer olhar sobre a língua (própria ou dos outros) é a partir de um ponto de vista muito particular. E nem sempre o que lingüista faz é observar a língua. Muitas vezes ele olha pro modelo que ele tem da língua.
Neurociência, como o nome já diz, é uma ciência. Além de estudar as funções do cérebro, padrões de atividade, e as relações do cérebro com o resto do corpo, é uma ciência que possibilita pontes entre áreas menos mensuráveis, como a memória ou a língua. Mas cada cérebro é único, e cada um se adapta diferentemente às condições exteriores. Sabemos que o cérebro é plástico. Sabemos que, se ele sofrer uma lesão, como por exemplo acontece num derrame, outras regiões vão assumir funções daquela parte que foi lesada. Mas não somos capazes de prever quais partes vão assumir quais funções em que medida.
Em Neurolingüística estudamos as relações entre cérebro e linguagem. Sabemos muito pouco sobre a linguagem no cérebro, e temos duas principais formas de especular sobre como a língua está armazenada na caxola:
- Ou a gente faz experimentos lingüísticos com alguém enquanto observa a atividade cerebral do sujeito que está participando do experimento. O problema é que muitas outras coisas interagem com a tarefa dada ao sujeito. Além de ler frases bestas na tela de um computador, ou de ouvir uma voz engraçada e sintetizada, o sujeito está respirando, pensando como a meia está apertada, tentando mudar de posição na cadeira, sentindo os eletrodos pendurados na cabeça, se esforçando pra lembrar se fechou a janela da cozinha, lembrando que não comeu nada faz 5 horas. Tudo isso aparece na tela de quem vê a atividade cerebral. Um raio-X é mais óbvio que um resultado de PET, EEG ou fMRI. Vai por mim. Eu consegui ler no meu raio-X que o meu pé não estava quebrado, sabia até em que sentido era pra segurar o raio-X, mas não consigo identificar uma lesão cerebral num afásico de Broca, cuja lesão deveria ser na região de Broca.
- Ou a gente espera alguém com alguma lesão cerebral chegar até nós, falando de maneira desviante. Esse sujeito não só tem um problema de linguagem, que chamamos de afasia. Ele tem metade do corpo paralisada, perdeu o emprego, não tem perspectivas de conseguir outro tão cedo, não vê os amigos faz tempo, pensa que esqueceu tudo e tem vergonha de falar, porque as palavras lhe saem meio tortas da boca.
Lingüista observa a fala de afásicos e vê que falta um monte de coisa. As frases que o afásico de Broca produz são curtas, simples e com poucos verbos ou preposições, artigos e conjunções. Lingüista vai logo pensar que a linguagem da pessoa se foi. É o que ele vê. Se não está perdida, então está seriamente danificada. E em seguida, o pesquisador que passou anos nas cadeiras da universidade, aplica testes em que há construções passivas, invertidas, bizarras e improváveis numa situação real de comunicação. A conclusão é triste: não compreende, nem produz linguagem adequadamente. Os modelos de linguagem que permitem esse diagnóstico são quase matemáticos.
Passei mais de 9 horas na biblioteca do Max Planck, lendo artigos em que se testava hipóteses. É estranho ler tanta hipótese descombinada que é falseada pelos dados. Por fim, li um artigo que tinha como objetivo contrastar duas hipóteses antagônicas. Se não for uma, é a outra, certeza. E os afásicos fizeram os testes, julgaram as passivas tão bem como as ativas, construíram dativas e compreenderam tanto as longas como as curtas. E não justificaram nenhuma das duas hipóteses.
Antes de ir embora, desliguei as luzes da biblioteca e fechei a porta, meio zonza, sem nenhuma certeza sobre o funcionamento do cérebro e suas relações com a linguagem. Mas uma coisa nova eu aprendi: as ninféias são flores que se abrem com a luz do sol, e se fecham com o pôr-do-sol. Como se não bastasse, elas giram conforme a curva que o sol faz no céu, assim como os girassóis.
Agora me pergunta pra quê serve saber isso sobre flores que vivem em águas paradas. Não tenho certeza.
Nenhum comentário:
Postar um comentário