quarta-feira, novembro 29, 2006

Voltando de Aachen

Na mesa do café da manhã estudei um Guia de mochileiros na Europa e achei algumas informações sobre Aachen. A catedral é de tempos em que se escrevia o ano com 3 algarismos, não 4, e foi palco de inúmeras coroações. Por coincidência, todos estavam de pé e na cozinha às 8:00 da manhã. Isso nunca aconteceu antes.

Saí de casa e na altura da Centraal Station lembrei que esqueci da máquina de retrato! Puatz! Peguei 4 trens e cheguei a Aachen. Coisas estranhas me chamaram atenção na viagem:
a naturalidade com que pedi informações em alemão e obtive resposta em alemão.
Duas japonesas falando francês. Trés bon.
Um cara com uma jaqueta em que estava escrito UAE (United Arab Emirates).
Dois amigos quarentões comentando que Bianca está grávida e que isso é uma pena, porque ela perdeu aquelas curvas...
Um holandês praticando Tai chi num estacionamento vazio.

Cheguei em Aachen, entrei no ônibus 3a, paguei a passagem, olhei pras instruções que tinham me dado e me vi forçada a sair do ônibus no ponto seguinte. Lou, a gente tem que ler as instruções antes de executar o plano!!! Voltei ao ponto inicial e atravessei a rua. Era isso que a instrução dizia. Atravesse a rua. Peguei o ônibus 3b e cheguei na Uniklinik, pruma sessão de terapia em grupo (de afásicos).

Esses afásicos estão em tratamento intensivo e moram no Hospital, inclusive dividem quarto. O dia deles é cheio: terapia individual, fono, fisio, terapia em grupo, massagem, e mais tantas outras coisas. E esse tratamento intensivo dura 7 semanas e é sustentado pelos impostos dos cidadãos que pagam impostos e ususfruem de um sistema de seguro de saúde que funciona.


Consegui perceber o impacto que tem uma teoria que sustenta uma terapia. Em Aachen os caras são mais pragmáticos, mas não definem bem o termo, então as atividades são de interação e pronto. Hoje nós (estagiária, 4 afásicos e eu) montamos um cardápio de um restaurante italiano e botamos preço nas coisas; e jogamos um jogo da memória. Aqui, na Sint Maartinskliniek, em que uma das terapeutas é cria do meu orientador, a aplicação da Teoria da Adaptação é visível. Em Nijmegen, os afásicos todos são estimulados a usar meios que não sejam palavras pra se comunicar quando a plalavra não vem. Lá em Aachen os afásicos têm à sua frente papel e lápis. Dá pra desenhar alguma coisa, mas eles sempre tentam escrever, e aí vem o problema: primeiro que se continua à procura da palvra, e segundo que a maioria deles tem a parte direita do corpo paralisada desde o derrame e ainda não consegue escrever com a esquerda... Aí eu já acho que botar lápis e papel na frente deles não refresca, só frustra os caras.


Tinha feira de Natal em Aachen, no pé da catedral. Oba!!!Muvuca de gente!!! Me atirei às barraquinhas, conversei com um monte de gente, elogiei os artesanatos, comprei Aachener Printen, uma especialidade de Aachen (pão de mel com gosto de Natal e coberto de chocolate). Entrei na catedral, acompanhei um tour em italiano e fiquei pequena diante da grandiosidade da igreja. Sentei num banco de praça na frente da catedral e fiquei me imaginando fotografando aqueles estilos todos misturados numa só construção antiga e provavelmete muitas vezes reconstruída. Sim, porque toda vez que eu olhava pra ela, eu reparava que uma parte era gótica, a outra romana, a outra barroca e que até os gárgulas eram de épocas e estilos diferentes.


A caminho da estação de trem, fui seguindo quatro crianças negras rastafaris que falavam alemão melhor que eu. (Não consigo deixar de achar divertido. Pra mim ainda não é normal ver negros falando alemão fluentemente, porque eu não passei muito tempo lá... Lembro, claramente, que em 1994, quando estávamos de turistas em Rotenburg ob der Tauber, uma senhora que vendia souvenirs comentou, espantada, com a colega, que tinha visto um negro.) Bom, o que importa é que um deles tava todo orgulhoso por ter a camisa original do Ronaldinho. Que original, que nada! É, sim, olha aqui, tem até o nome dele escrito nas costas! Todas as camisas de futebol verde-amarelas têm o nome do Ronaldinho nas costas! Não têm, não!!!


Entrei no trem de volta pra casa e notei, quando cheguei em Nijmegen, que tinha lido 70 páginas nessas 5 horas e meia de viagem. Pronto. Quando eu achar que preciso me focar na leitura, pego um trem pra bem longe. A leitura rende no trem, apesar dos adolescentes barulhentos, crianças se esgoelando sem nunca perder a voz; e minhas fantasias com senhorinhas armadas com facas de cozinha. Sim, porque é a coisa mais comum do mundo uma senhorinha, de 60 anos pra mais, sentadinha no trem ou na estação mesmo, remexer na bolsa e pescar de lá de dentro uma banana, maçã ou nectarina, um guardanapo e uma faca de cozinha. Quem diria que cabe tanta coisa na bolsa de uma aposentada! E justo tanta coisa que eu nunca consideraria levar numa bolsa.... Sei lá, pra mim daria na mesma se eu visse um homem se barbeando no trem. Faca de cozinha na bolsa...

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